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Olhe para os lados

Textos de sexta: 2/52

“A má notícia é que um cometa gigante está em rota de colisão com a Terra. A notícia pior ainda é que ninguém se importa”. Essa é a sinopse do filme “Não olhe para cima”, lançado em 2021, dirigido por Adam McKay e disponível na Netflix.
A obra fala de um cometa como metáfora para o aquecimento global.
O meu título faz alusão ao do filme porque muitas vezes não olhamos para o lado. O mundo é do tamanho do nosso círculo de convívio e nossa atenção está apontada como uma bússola virada para o umbigo.
Hoje, estava eu contemplando planilhas de Excel cheias de fórmulas e automatizações e pensando “como é lindo um serviço feito automaticamente”. Se pudéssemos automatizar tudo o que é necessário, teríamos tempo para tudo que é realmente importante.
Nisso, lembrei que estava em tempo de tomar a minha vacina da Covid-19, mais precisamente a dose de reforço. Larguei as planilhas por um pouco mais de uma hora e fui até o posto de saúde. Chegando lá, deparei-me com uma fila de tamanho razoável, desci a rampa na esperança de que o meu lugar fosse lá e que estivesse mais tranquilo. Vejo duas “placas”, que na verdade eram folhas de sulfite coladas numa porta. A primeira dizia: “VACINA COVID 19
SUBIDA DA RAMPA” e na segunda constava “Vacinação para COVID-19 Informe-se aqui!!!”.
Segui as orientações na ordem em que foram apresentadas. Indignada pela contradição, subi a rampa e perguntei para um funcionário que me disse para descer. Segui a segunda orientação da placa e me informei lá embaixo e era lá mesmo. Eu não perdi muito tempo e havia apenas 12 pessoas na minha frente (sim, eu contei) mas eu não conseguia parar de pensar nas pessoas que são surdas ou mudas ou com mobilidade reduzida por qualquer motivo.
A teoria que eu criei e que provavelmente condiz com a realidade é que a primeira placa era antiga e não foi removida pela necessidade de mudar constantemente o local de vacinação em questão e a segunda era a atual.
Não era uma comunicação visual fixa como vemos, por exemplo, em terminais de ônibus ou estações de metrô ou trem, era algo bastante improvisado, mas escancarava a falta de consideração por esses grupos que eu mencionei anteriormente.
Aliás, temos esse defeito; muito justificado pela falta de tempo, pela necessidade de trabalhar muito, pelas horas gastas no transporte; que é o de simplesmente não dar importância para aquilo que não nos afeta diretamente ou para o que achamos que não nos afeta.
Isso explica o desinteresse por política, ainda que nos afete diretamente pelo preço do feijão, do combustível ou pela falta de abastecimento dos postos de saúde e por aí vai.
Claro que eu me incluo. Não estou aqui para tirar o de ninguém da reta, nem o meu. Nunca tinha ouvido falar sobre doação de medula óssea até que o filho do amigo do meu pai começou uma campanha no Facebook. Fui ler sobre, fui me inscrever e desde então isso fica na minha cabeça: Não podemos nos importar só quando nos aproximamos do assunto. É um erro grave e quando temos acesso à internet, a gravidade se amplifica.
É preciso ter contato com coisas para além da nossa bolha, seja por que tivemos o privilégio de conhecer realidades diferentes das nossas ou seja por que resolvemos ler livros, artigos, notícias; assistir filmes, documentários, séries, vídeos no YouTube ou até mesmo no TikTok; ouvir rádio, podcasts, entrevistas… Os meios são muitos; o tempo é finito e os assuntos que desconhecemos são infinitos: autismo, homossexualidade, racismo, transgeneridade, identidade não binária, adoção, hanseníase, esquizofrenia, luta de classes…
Assim que abrimos o livro/diário “uma pergunta por dia”, a primeira frase que aparece (pelo menos nessa minha edição) é “Dizem que o tempo muda as coisas, mas é você quem tem que mudá-las” Andy Warhol