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Epitalâmio do monge maluco e da palhaça sonolenta e de todos os outros casais contraditórios ou não.

Texto de sexta: 1/52

Epitalâmio é um hino matrimonial de caráter religioso para pedir graças aos noivos.
Nos dias de hoje, de relacionamentos relâmpagos, este é meu apelo para todos os casais.
Abra as cortinas,
o espetáculo vai começar.
Afaste os da cobiça e os da inveja.
Vai despertando a noiva, vai!
Ela demora a acordar.
Ela vem de longe.
Mas o noivo há de esperar.
Durante o dia, envie luz e lucidez.
Nas noites, afaste a solidão a dois.
Faça da vida um horizonte longo
de caminhada incessante,
mas suave.
Que o passado deixe de ser um fantasma feio de pijama.
Quando pensar nessa caminhada, árdua, que o brilho nos olhos seja infinitamente maior do que o aperto no peito… que o medo!
Que o anel, para ambos, não seja apenas mais um adorno.
Que a calma tome conta, amoleça o coração, mas nunca nunca acovarde aquilo que quando não é dito sufoca dentro da gente.
Deixe-o ler
Deixa-a dormir
Deixe-o criar
Deixa-a livre
Que os pudores não os façam mornos
Que a rotina não os façam acomodados.
E antes de dormir, todas as noites, pense: vale a pena!
Mostre o seu melhor lado para que o outro se apaixone todos os dias
E o pior lado, para que o outro saiba onde está pisando.
Reinvente-se…
Amem.
Amém!

Ps.: Casamento de Francisca e Emílio 💕

Ilustração: Paulo Franco

Paradoxos e antíteses.

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A contradição é uma característica humana, muito forte e muito presente em nós.
“Perfeito, sem defeito” é só um jogo vazio de palavras.
Há pensamentos contraditórios entre si, há também ações e pensamentos conflitantes. Para sair do intangível, nada melhor do que o bom e velho exemplo. Para ser mais precisa: três deles.
Primeiro: A pessoa é contra roubo e furto, mas sempre compra aparelhos usados dos quais desconhece a procedência. Quando o alvo do assalto passa a ser ela, ela ataca pessoas que compram aparelhos usados dos quais desconhece a procedência.
Segundo: A pessoa se contamina com coronavírus, desenvolve a Covid-19, tem sintomas graves e não muda. Infecta parentes e amigos e não muda. As pessoas ao redor morrem e ela não muda. Mais de meio milhão de pessoas morrem e ela não muda.
Terceiro: A pessoa é religiosa, mas acredita que bandido bom é bandido morto.
Já é tão difícil reconhecer e lidar com as próprias contradições, imagina com as dos outros. E ainda dizem que os “opostos se atraem”.
Na Bíblia, Mateus 19:6 diz:
“Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar”.
Pense nessa fusão: duas pessoas contraditórias em um só corpo.
Seria uma relação cheia de antíteses (ideias opostas convivendo) como a alegria e a tristeza morando dentro do peito. E muitos paradoxos (ideias contraditórias entre si), como viver uma uma guerra pacífica.
Para evitar tudo isso, o melhor é ir “tocando em frente”, como disse o Almir Sater:
“Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz”.

Imagem: https://www.propsicologia.com.br/opostos-se-atraem/

Como nasce uma vilã?

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As histórias são baseadas em CONFLITOS e podem conter HERÓIS e VILÕES, muitas vezes é uma coisa bem MANIQUEÍSTA mesmo: em que um lado é o BEM e o outro, o MAL.
Uma das características de um vilão é a VEROSSIMILHANÇA. Sabe as imagens dos lanches do McDonald’s que são meramente ilustrativas? É essa mesma ideia. Não precisa ser igual, mas precisa parecer com o lanche. Assim são os vilões das histórias, não precisam ser iguais às pessoas, mas ao menos parecer.
Outro aspecto interessante é que o vilão tenha um PASSADO e se for parecido e se cruzar com o do herói, tanto melhor. O passado não necessariamente JUSTIFICA as atitudes do presente, mas com certeza ajuda a EXPLICAR.
O HERÓI e a VILÃ, nessa história, terão sua identidade preservada devido ao excesso de verossimilhança.
O PROTAGONISTA é homem, branco, funcionário público com cargo de prestígio.
A ANTAGONISTA é uma mulher, morena, formada e dona de casa.
Seus destinos se cruzaram ainda cedo. As vidas de ambos não eram flores, como a vida da maior parte dos brasileiros. Ele lutou, conseguiu uma bolsa de estudos para os dois. Era o primeiro passo para um futuro juntos. Lá pelas tantas, eles se CASARAM. Quando alguém se casa, assina um CONTRATO e além disso, está aceitando a trazer uma pessoa para dentro de sua família e aceita entrar na família do outro. Não à toa que sogra em inglês é “mother-in-law” = “mãe na lei”. E de que lei estamos falando? A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 diz que:
A FAMÍLIA, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo DIVÓRCIO.
§ 7º Fundado nos princípios da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA e da PATERNIDADE RESPONSÁVEL, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Salientei esses dois trechos da CF/88 e mais tarde vocês entenderão o PORQUÊ.
ESCOLHEMOS COM QUEM CASAMOS, MAS O PACOTE “FAMÍLIA” VEM EMBUTIDO E PRECISAMOS SABER LIDAR COM ISSO.
Quem nunca se apaixonou por uma pessoa incrível, mas a sogra era digna de todo estereótipo de piada já feito até hoje? Ou o pai, talvez o cunhado, tenha problema com álcool ou outras drogas? Aquela cunhada fofoqueira ou invejosa? Ou a questão é financeira mesmo em que os padrões de vida são muito diferentes. Religião. Política. Até futebol… São tantos os motivos que seria impossível e cansativo listar tudo aqui. Mas acredito que você compreendeu onde eu estou querendo chegar.
Quando o protagonista decidiu se casar, outra coisa que foi decidida junto foi que ele não pretendia ter filhos. FILHOS são presentes de Deus, mas precisam ser nossa PRIORIDADE. Custam muito dinheiro e muito tempo de nossas vidas. É preciso que seja uma decisão consciente e consensual.
Casal jovem, recém-formados, ele com um emprego bom e ela com um sonho secreto: ser mãe.
O MAIOR MEDO dele, era o SONHO SECRETO dela. Secreto até o dia que ele ouviu a esposa e a sogra conversando. Vamos falar mal da sogra, por mais clichê que possa parecer. A sogra dele possuía valores que ele considera distorcidos, por exemplo, que apenas pessoas da Igreja seriam bons pretendentes para a filha dela e coisas do tipo.
No fatídico dia, ele ficou surpreso ao ouvir a esposa dizendo que iria sim ter um filho, que só o marido estava realizando os sonhos dele e ela estava ficando para trás.
Aquele homem, que sempre pareceu calmo, naquele dia se transformou. Proferiu duras palavras para a esposa e para a sogra. Disse que se ela estava formada era graças à ajuda dele. Ele havia dividido com ela tudo o que tinha conquistado até ali. Ela nunca quis trabalhar fora para ajudá-lo a construir nada. Filho é um vínculo para a vida inteira e ele não queria aquele vínculo com ela. Era uma certeza!
Nesse momento, exatamente nesse, NASCE A VILÃ. As conversas com a própria mãe, com a irmã, tias e amigas, tudo girava em torno do plano de ser mãe.
O modo de falar ou alguma frase de efeito pode ser uma marca registrada do vilão.
Um dia, questionada por um tio se o que pretendia fazer era certo, ela respondeu: – OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS. Um filho será um presente em nossas vidas. Ele só entenderá quando eu conseguir concretizar meu PLANO.
O plano era ardiloso, realmente digno de uma vilã.
Após uma conversa longa e, aparentemente sincera, ela disse que desistiu do plano. Que iria respeitar a vontade dele de não ser pai.
E a vida seguiu.
Até que ela conseguiu. Engravidou!
Ele passou por aquele mix de felicidade, insegurança, tristeza, medo…
Quando confrontada, ela disse que foi sem querer. Sabe como é? Métodos contraceptivos não são 100% eficazes.
Apesar de não engolir aquilo, ele não tinha provas. Mas os celulares… ah! Os celulares registram conversas, não é mesmo?
Ele achou a seguinte troca de mensagem entre ela e a irmã:

  • Querida, consegui! Tô grávida!
  • Parabéns! Tirou a sorte grande!
    Ao ler isso, ele se sentiu péssimo!
  • “Tirou a sorte grande”? Então eu sou apenas o bilhete premiado que vai possibilitar que ela realize os sonhos dela a despeito dos meus?
    Nove meses para digerir tudo o que aconteceu.
    Quando a criança estava com 3 meses, ele escutou outra conversa entre a esposa e uma prima:
  • E aí? Ele aceitou?
  • Tá nervosão ainda comigo. Mas o sorriso da nossa criança aos poucos vai desmontar essa braveza, você vai ver.
    E risadas, muitas risadas.
    Essas risadas ficaram girando na cabeça dele.
  • Além de tudo, sou motivo de chacota. Isso não está certo.
    Ele foi se ressentindo, se amargurando, pensou diversas vezes em DIVÓRCIO. Afinal, ela havia mentido. Mas ele não queria que a criança fosse criada longe dele e, pior, pela família dela. Engoliu e tentou levar a vida, mas o rancor começou a tomar conta das conversas e da vida dele. Começou a afetar, inclusive, a sua saúde mental. A coisa foi tomando um rumo tão complicado e ele procurou ajuda médica.
    Ao relatar a situação a um terapeuta, ele foi aconselhado a ler o Código Penal e ficou pasmo com o seguinte artigo:
    Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
    Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
    Parágrafo único. Se o crime cometido resultar em gravidez é considerado agravante. Se o crime for cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

-Processar a própria esposa? Isso faria sentido? Não seria melhor se separar? Essas perguntas ficaram ecoando em sua mente. Será que não seria melhor viver cada um em seu canto? Estou pensando mesmo no que é melhor para a criança ou estou usando isso como desculpa? Família sempre foi um conceito importante para mim…

Com bastante ajuda e tratamento, ele conseguiu entender a esposa. Conseguiu entender o que ela queria dizer sempre que repetia que “os fins justificam os meios” e a vida seguiu mais uma vez. Tudo calmo demais, até que um dia ele pegou o celular da esposa para fazer uma ligação e, bem na hora, chegou a mensagem da irmã dela. Foi irresistível para ele não ler a conversa.

  • É, querida, deste ano não passa, este ano eu engravido de novo!
  • Mais um bebê na família, oba!!!
  • Não é bom ser filho único!
  • Não mesmo, filho único geralmente é muito egoísta. Você tá certa. E já que o seu marido aceitou um filho, qual o problema em ter mais um, não é mesmo?
    Ele paralisou. Não é ser filho único que te faz ser egoísta. O que faz uma pessoa egoísta é a forma como é criada. É achar que os fins justificam os meios. A primeira crise de síndrome do pânico veio no dia seguinte.
    A verdade é que ela já estava grávida novamente.
    Logo tudo veio à toda.
    Como que a esposa, mãe de seus filhos, podia ser tão desonesta com ele? Tão egoísta? Criminosa? Ele havia caído no golpe da barriga? Será que ela o amava? Ou ele era apenas o objeto que propiciava a realização dos sonhos dela?

E como é que termina essa história?

Ainda não termina.
O HERÓI, para conseguir viver no PESADELO em que se tornou a sua vida graças ao SONHO da VILÃ, arquitetou seu próprio plano que consiste em esperar até que a sua criança mais nova complete 5 anos. Após muita leitura e estudo, ele descobriu o trabalho de JOHN BOWLBY (1907-1990), psiquiatra e psicanalista inglês, que teve três noções marcantes em suas pesquisas: o apego, a perda e a separação. Nosso protagonista se debruçou acerca da TEORIA DO APEGO e entendeu que ela defende que as crianças são biologicamente pré-programadas para formar vínculos, pois isso as ajudará a sobreviver.
“Bowlby utilizou o termo privação materna para se referir à separação ou perda da mãe, assim como à falta de desenvolvimento de uma figura de apego.” E disse que esse risco continua até os cincos anos de idade.
Sendo assim, os dois têm 5 anos para mudar:
Ela, para se arrepender verdadeiramente por ter agido como agiu e mostrar que o marido pode voltar a confiar nela.
Ele, para perdoá-la de coração e recomeçar.
Só o tempo dirá…

Imagem: https://amenteemaravilhosa.com.br/teoria-do-apego-de-john-bowlby/