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Lázaro, Eleanor e janeiro roxo

Textos de sexta: 4/52

Lázaro e Eleanor tinham um amigo em comum, o John.
No aniversário de 20 anos, John resolveu comemorar em um bar recém-aberto na Vila Olímpia e chamou uma porção de amigos.
Eleanor levou uma amiga e Lázaro foi sozinho.
A cena foi clássica: a amiga tinha acabado, por aqueles dias, um relacionamento, muito tóxico por sinal, e topou sair para espairecer, mas foi só o ex telefonar e ela não se importou em ir correndo ao seu encontro e largar a amiga no bar.
Lázaro viu a movimentação e se aproximou. Foi assim que eles se conheceram.
Ela pediu um gim-tônica, ele, Whisky com energético.
— Que nome lindo o seu. Com certeza você conhece a música dos Beatles, certo?
Eles cantam juntos: — Ah, look at all the lonely people!
— John não me deixa esquecer. Você sabe que o nome dele é assim por causa do John Lennon, né?
— Cara, ele nunca me contou isso. Seu nome é por causa da música?
— Que nada! É por causa do Karl Marx, na verdade, por causa da filha dele. Meu pai era militante e daí veio a ideia da homenagem.
— Não vamos falar de política, não quero ser deselegante com você.
Quando o garçom trouxe, John brotou na frente deles e perguntou se ela tinha certeza que podia beber.
Ela ruborizou, eles só não sabiam se era por vergonha ou por raiva.
Lázaro perguntou por que é que ela não podia beber.
Nesse momento, o ar ficou pesado como se eles houvessem se transportado imediatamente para Chernobyl.
John disse que a amiga estava tomando remédios sem entrar em detalhes.
Ela respirou tão fundo, que deu para notar o peito enchendo. Ela olhou para Lázaro e riu. Um riso de deboche ou de nervoso e perguntou se ele conhecia o mal de Lázaro. Ele fez com a cabeça que não. Ela disse que estava tratando de Hanseníase, mas que já estava curada e por isso podia beber.
Ele nunca tinha ouvido falar a respeito dessa doença e quis entender melhor.
John disse que a doença era conhecida como lepra e viu o horror na cara de Lázaro.
— Eleanor é uma leprosa? Credo! E você me deixou tocar nela? Seus imundos.
Ela, já muito atingida pelo estigma, tirou cuidadosamente o celular de seu bolso, abriu o Google e digitou:
“lei nº 9.010/1995”.
Clicou no primeiro link que apareceu e deu para Lázaro ler.
— Leia em voz alta.
— Dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O termo “Lepra” e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros.
— Pode parar. Tem até uma lei que proíbe o uso desse termo. E, saiba, seu ignorante, que essa doença não é transmitida encostando na pele. É pela saliva, pela tosse ou pelo espirro. Se você tomou a vacina BCG (a que deixa a marquinha no braço direito), provavelmente você tem pouca chance de se contaminar. E, aliás, quem está curado não transmite. Tem cura, assim como a sua ignorância.
A monja Coen disse em uma de suas palestras que existem três venenos: a ganância, a raiva e a ignorância.
Informe-se! Esse é o antídoto para a ignorância. Pesquise sobre a campanha janeiro roxo e nunca mais toque em mim, não por causa da minha doença, mas por que eu tenho nojo do seu preconceito.

Argentina e suas Capivaras x Brasil e seus Javaporcos

238/365


Dia desses eu li no Twitter que “a língua portuguesa perdeu uma grande oportunidade quando não colocou o coletivo de capivara como capivárias”. Achei simplesmente genial. Queria acrescentar que o coletivo de javaporcos deveria ser, seguindo a mesma linha de raciocíonio: javáriosporcos.
O que capivaras e javaporcos têm em comum?
Para Aristóteles, “o homem é um animal político” por necessitar de coisas e também dos outros. Eu digo mais: capivaras e javaporcos são animais políticos, respectivamente na Argentina e no Brasil, explico: Agora, em agosto de 2021, as capivaras agitaram a política da Argentina e como eu seu disso? Lendo sobre política internacional? Não! Ouvindo o podcast Xadrez Verbal? Não. A resposta é: memes, meu bem, memes. Os animais invadiram a região do condomínio Nordelta, um dos mais caros do país, que antes foi invadido pelo mercado imobiliário (a região era um pantanal). Aí começou a luta de classes. As capivaras lendo “O Capital” de Karl Marx e se reúnem, em Assembleia, respeitando o distanciamento social, pois ainda estamos em pandemia; os aliados querendo uma lei de uso dos pantanais e os ricos querendo que os animais sumam dali.


Quanto aos javaporcos, resultado do cruzamento de javali com porco, o ocorrido foi em 2018, em plena campanha para ser Governador de São Paulo. Márcio França proíbe a caça do animal, que é considerado uma praga agrícola por causa do tamanho. O que eu senti falta mesmo foi de um meme de um javaporco lendo “A revolução dos bichos” de George Orwell.

Fontes:
https://www.clarin.com/clarin-em-portugues/capivaras-geram-polemica-abrem-discussao-politica-viram-febre-nas-redes-sociais-da-argentina_0_XH6_7IEd4.html

https://piaui.folha.uol.com.br/um-javaporco-no-caminho-do-governador-de-sao-paulo/

Mais-valia

72/365

Aos poucos
O olho foi perdendo o brilho

Lentamente
era cada vez mais difícil dar ouvidos ao despertador

Paulatinamente
as vestes do uniforme vão se transformando em mortalha