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O brigadeiro, assim como a vida, se fica parado empelota.

Textos de sexta: 7/52


Ela, mais do que ninguém, sabia que era preciso equilibrar todos os pratos, não havia escolha.
Filha única de pais separados, classe média-baixa, vivendo na periferia. Aprendeu logo que o brigadeiro, assim como a vida, se fica parado empelota. Foi preciso se mexer, fazer seus corres.
Até se achar na confeitaria, passou por corte, costura, jardinagem, entre outras coisas.
Nesse ínterim vivenciou histórias de amor, mas nada era da forma como ela sonhava. Em um de seus empregos, conheceu um rapaz que mudaria tudo. Ligou para uma de suas melhores amigas dizendo:
— Você não vai acreditar! Vou me casar e ele é perfeito.
Ela descrevia o rapaz e a relação deles com o mesmo brilho nos olhos de um amigo biólogo que conheceu um polvo e se aproximou dele. Cada descoberta, era uma ligação ou uma mensagem: Ele sabe desenhar. Ele é inteligente. Ele sempre senta na mesma mesa na hora do almoço. Ele tem três corações (eu não fazia ideia). Ele toca numa fanfarra. Ele pode ser treinado para realizar tarefas que dependem da memória. O guarda-roupa dele é organizado por cor. Ele é muito brincalhão. A estante de livros dele está em ordem alfabética. Ele pode reconhecer pessoas. Ele sempre compra 12 pães de queijo, seis pra ele e seis pra mim. Sua saudação mais comum é um tapinha. Ele nunca se atrasa. Ele pode ser ameaçador.
O polvo não tem esqueleto nem carapaça e por isso seria um alvo fácil para os predadores, mas o seu trunfo é a sua capacidade de atravessar buracos do tamanho dos olhos dele e pode dar praticamente qualquer forma ao seu corpo. Diferente do polvo, o rapaz não era maleável. Sua vida era composta de estruturas rígidas e entre elas posso destacar “o dia de namorar”. O dia de namorar era sábado. Era o dia que ele se deslocaria da casa dele até a casa dela. Ele não se importava se ela tinha algum compromisso ou se estava ocupada, no dia de namorar ele vinha, ainda que ficasse sozinho na casa dela.
Aos poucos, a admiração foi perdendo espaço e um mal-estar começou a se instaurar. Desistir não era uma possibilidade. Os presentes de casamento estavam todos no quartinho da bagunça. Desde cedo ela fora ensinada a, em hipótese alguma, não deixar a peteca cair. Não caiu, isso é fato, mas não foi nenhuma vantagem porque ela não estava mais pra jogo.
Ela não sabe precisar qual foi a gota d’água. Talvez foi o dia em que foram ao shopping de sempre, o mais perto de casa, comer a batata recheada de mesmo sabor, com Fanta Uva. O refrigerante estava em falta e ele se recusou a comer. “É um ritual”, ele disse e foram embora. Ele não se importou se ela queria comer. Talvez foi o dia que ela ganhou 6 brigadeiros, comeu 4 e ele parecia agressivo: “Você não sabe que 6 dividido por 2 é 3”ou, quem sabe, foi o dia que ela fez cachorro quente, mas era pizza que constava no cronograma.
Ela foi minguando… A ideia de casamento dos sonhos estava tão distante quanto a ideia de ganhar na Mega Sena.
Um dia, chamou para um café aquela mesma amiga para quem, meses antes, havia telefonado falando do casamento perfeito.
— Ele é metódico num nível psicopata. Esse açúcar aqui, que eu botei no nosso café, roubei o sachê da padaria. “Faz mal pra saúde” e ele não admite. Olha as minhas unhas! Lindas… Ele que pintou. Não borrou um milímetro sequer. Sabe o que é nem precisar usar o palito? É doentio isso! Não aguento mais isso. A vida é muito curta para ser previsível desse tanto.

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